Psicanálise na Pós-Modernidade: Entre Promessas, Desamparo e Ilusões

Psicanálise na Pós-Modernidade Entre Promessas, Desamparo e Ilusões

A psicanálise, enquanto discurso e prática, atravessa uma crise significativa no contexto da pós-modernidade. Essa crise é marcada pelo esvaziamento de sua reputação simbólica e pela fragmentação de sua promessa inicial de apaziguamento das tensões entre pulsões e a efetividade de sua satisfação. O conflito entre a natureza e a liberdade segue desestabilizando o sujeito, que busca, incessantemente, uma harmonia ideal como forma de evitar o desamparo inerente à condição humana.

Desde o início do pensamento freudiano, a psicanálise ofereceu uma promessa sedutora: a possibilidade de compreender e apaziguar o sofrimento humano, transformando-se em um fascínio irresistível na modernidade. Contudo, ao longo do tempo, essa promessa revelou-se ilusória. O desamparo surge como um elemento irredutível, e o mal-estar social contínuo a assombrar a humanidade, desafiando a ideia de uma “cura” definitiva.

A concepção gerada por essa promessa irrealizada abriu espaço para que novos discursos, como a psicofarmacologia, as neurociências e o cognitivismo, ocupassem o lugar deixado pela psicanálise. Essas abordagens, com suas tecnologias avançadas, reavivaram a crença de que seria possível eliminar o mal-estar e alcançar a tão sonhada harmonia entre a natureza e a liberdade. Assim como Freud no início de sua trajetória, esses saberes nutrem a ilusão de que o sofrimento pode ser eliminado pela razão científica.

No entanto, a comunidade psicanalítica, diante desse cenário, encontra-se dividida. Parte dela insiste em revitalizar a promessa inicial, incorporando elementos de outros discursos e práticas, criando uma “bricolagem” epistemológica. Essa combinação entre psicanálise, neurociências e cognitivismo gera o que pode ser chamada de um “monstro teórico”, que, embora promova avanços em alguns aspectos, dilui a especificidade ética e teórica da psicanálise.

A questão fundamental que se coloca é a seguinte: como a psicanálise pode sobreviver enquanto a prática transformadora sem considerar a centralidade do desamparo e do mal-estar social? Retomar o pensamento do último Freud, que enfatiza o desamparo originário como uma condição inelutável da existência humana, é essencial para revitalizar a psicanálise. É preciso, ainda, extrair as consequências políticas e sociais desse reconhecimento, aceitando que não há soluções fáceis ou tecnológicas para os dilemas existenciais do sujeito.

A psicanálise, para recuperar sua relevância, deve resistir à tentativa de prometer o impossível e reafirmar sua especificidade: um espaço de escuta e análise que não busca eliminar o desamparo, mas possibilitar que o sujeito encontre formas singulares de lidar com ele. Em um mundo dominado por soluções rápidas e pela busca de felicidade imediata, a psicanálise pode e deve se posicionar como um discurso que acolhe a complexidade e a tragicidade da existência humana.

Por fim, a sobrevivência da psicanálise depende de sua capacidade de abraçar sua essência ética e teórica, abandonando as ilusões de cura total e enfrentando o desafio de ser uma prática que confirma, sem negar, os limites e as tensões da vida em sociedade.

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