A psicanálise propõe uma compreensão singular da sexualidade e do corpo, destacando sua relação com a linguagem e a cultura, em oposição a perspectivas naturalistas ou biológicas. Com base em Freud e Lacan, a sexualidade humana é caracterizada por sua polimorfia e pela ausência de um instinto sexual natural, substituído pelas pulsões, que se orientam para além de uma finalidade reprodutiva. A linguagem desempenha um papel central na constituição do corpo e na diferença sexual, transformando o organismo biológico em um corpo pulsional, que se inscreve no campo simbólico e se organiza em torno do gozo.

Lacan amplia as contribuições de Freud ao explorar a consistência dos corpos nos registros imaginários, simbólicos e reais, articulados pelo nó borromeano. No registro imaginário, o corpo é definido pela imagem especular e pelo narcisismo; não simbólico, é atravessado pela materialidade do significativo, que molda o corpo falante; e não real, manifesta-se como o corpo pulsional, voltado ao gozo, desvinculado de uma função biológica. A voz, enquanto objeto a, destaca-se como um elemento essencial na constituição do sujeito, desde os primeiros momentos de sua relação com o Outro primordial.

Por meio do conceito de “falasser”, Lacan sublinha que o corpo humano é marcado pela linguagem desde o início, o que faz a diferença de outras espécies. A entrada na linguagem implica uma desnaturalização do corpo e da sexualidade, arrancando-os de suas funções biológicas e inscrevendo-os no campo da cultura e do inconsciente. Esse processo, ao mesmo tempo que mortifica o corpo biológico, vivifica-o como corpo pulsional, abrindo espaço para uma dimensão de gozo que é singular ao sujeito humano. Assim, a psicanálise compreende a diferença sexual não como uma realidade biológica, mas como um efeito da linguagem e da cultura que marca profundamente o corpo e o desejo humano.