A sala de análise é como um porto, onde o analista e o analisando se encontram em um território de troca e travessia. Esse porto, por mais familiar que pareça ao analista, deve sempre ser visto como se fosse a primeira vez. É um espaço onde o conhecido – as poltronas, os móveis, a própria presença do analista – forma a base estável que contrasta com o imprevisível, o outro que chega.
Nesta metáfora, o analista é como um navegador em mar aberto. Ele parte do porto seguro do seu estado mental lúcido e insaturado, oxigenando-se antes de qualquer travessia. A “insaturação” é o vento que impulsiona suas velas, permitindo que ele acolha o novo – o analisando que chega carregado de histórias, emoções, e, muitas vezes, tempestades internas. Sem essa condição de abertura para o desconhecido, o analista corre o risco de navegar apenas em círculos, preso às correntes de sua própria memória e preconceitos.
O trabalho analítico, então, é uma jornada compartilhada. A cada interação verbal ou não verbal, uma nova rota é traçada. Hipóteses são levantadas como estrelas-guia no céu noturno: algumas confirmam o caminho, outras indicam a necessidade de recalcular a rota. O essencial, porém, é o movimento. Mesmo quando a luz do entendimento parece distante, o analista permanece navegando, atento às nuances do mar e às respostas do analisando.
Por vezes, o contato com o outro se perde, como um farol encoberto por nevoeiro. Nesse momento, é preciso confiar no silêncio, na escuridão, e resistir à tentação de criar luz artificial – hipóteses apressadas que acalmam momentaneamente, mas que podem desviar do verdadeiro trajeto. É nesse estado de espera, aberto ao que é novo e imprevisível, que a travessia analítica se torna possível.
O analisando, por sua vez, é como um viajante que chega ao porto com seus próprios mapas, muitas vezes rasgados ou incompletos. Ele navega entre o conhecido de si mesmo e a descoberta de novas terras internas, enquanto o analista se posiciona como um companheiro de jornada, atento aos ventos e marés psíquicas que surgem no percurso.
No final, o trabalho psicanalítico não é sobre chegar a um destino fixo, mas sobre manter-se em movimento, aprendendo com o balanço do mar e permitindo que o encontro entre analista e analisando revele, aos poucos, os contornos do desconhecido. A cada ciclo, um novo porto é construído, uma nova travessia começa – sempre com a promessa de que o outro será visto, ouvido e acolhido em sua singularidade.